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JUNHO 2010

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PROJETO DO MÊS

A influência da maturidade das partes interessadas em gerenciamento de projetos na engenharia e construção

Autor: Maurício Martins Lopes, PMP

Resumo:

Um dos aspectos mais importantes e muitas vezes determinantes no sucesso ou fracasso de um projeto é o gerenciamento das partes interessadas. Em projetos de qualquer natureza a gestão das partes interessadas é fundamental, porém em projetos de engenharia e construção é mais ampla e complexa.
Quando tratamos de gerenciamento das partes interessadas, estamos abordando inicialmente a identificação e posteriormente o seu gerenciamento propriamente dito. Isto já nos dá a dimensão da importância desta disciplina.
O que será apresentado mais a frente é uma extensão da identificação e gerenciamento das partes interessadas nos projetos, abordando a maturidade que cada parte interessada possui em gerenciamento de projetos e como por conseqüência tal maturidade pode contribuir positivamente no sucesso ou interferir negativamente no projeto.
Palavras-chave: partes interessadas; maturidade; engenharia e construção.

 

1. Introdução

O número de projetos na área de engenharia e construções que não atingem o sucesso é elevado. O fato do projeto não alcançar qualquer um de seus principais objetivos, seja de prazo, de custo, de qualidade, das expectativas do cliente, do não atendimento dos requisitos estabelecidos ou de qualquer outro, caracterizam o seu insucesso.

Em muitos anos atuando nesta área temos verificado que boa parte dos projetos não foram bem sucedidos pela falta de aplicação plena do gerenciamento de projetos. Quando nos referimos a aplicação plena enfocamos todo o projeto, com todas as principais partes interessadas atuando coordenadamente e com um nível mais alto de maturidade em gerenciamento de projetos.

Não bastam apenas ilhas de excelência ou ações individuais efetivas no gerenciamento de projetos, mas sim uma atuação conjunta onde o projeto é entendido e desenvolvido uniformemente pelas partes interessadas.

Diante disso, propomos neste trabalho discutir mais profundidade a influência da maturidade em gerenciamento das partes interessadas em prol dos melhores resultados do projeto.

2. As partes interessadas nos empreendimentos de engenharia e construção

Segundo o PMBOK (2008), as partes interessadas são pessoas ou organizações (por exemplo, clientes, patrocinadores, organização executora ou o público) ativamente envolvidas no projeto ou cujos interesses podem ser positiva ou negativamente afetados pela execução ou término do projeto. Completa o PMBOK (2008), elas também podem exercer influência sobre o projeto, suas entregas e sobre os membros da equipe. Desta forma, o projeto não está estanque a ações ou interferências externas que possam afetar seu desempenho ou até mesmo o cumprimento de seus objetivos.

Cleland (2000) salienta que a análise de partes interessadas durante o planejamento do projeto é usual para o desenvolvimento de estratégias a fim de facilitar a gestão delas durante o ciclo de vida do projeto.

Desta forma, como o número de partes interessadas possíveis em projetos de engenharia e construção, em comparação a outras áreas é significativamente maior, isto requer um entendimento e conhecimento pleno para se efetuar a análise e o posterior gerenciamento. As principais partes interessadas nesta área são:

Cliente – são pessoas ou organização que usarão o produto ou serviço. Eles podem ser internos ou externos em relação aos executores do projeto.
Gerenciadora – em projetos de engenharia e construção é normal a existência de empresas especializadas em gerenciar o empreendimento. As gerenciadoras são contratadas pelo cliente a fim de emitir o edital de contratação dos projetistas, empreiteiros e fornecedores principais, de fiscalizar as obras, de administrar e de coordená-los no empreendimento, tendo como objetivo garantir que o projeto seja entregue conforme os seus requisitos previstos, dentro dos prazos e dos custos previamente estabelecidos.
Construtora – é a empresa responsável pela execução das obras. A equipe técnica e administrativa que atua na obra é formada basicamente por gerente de contrato, engenheiros de produção (engenheiros residentes), engenheiros de planejamento, engenheiros de qualidade, arquitetos, engenheiro de segurança, encarregados administrativos, assistentes técnicos, auxiliares administrativos, almoxarifes, técnicos de segurança, mestre de obras, encarregados de obras e apontadores.
Todos estes profissionais são partes interessadas importantíssimas dentro do projeto, influenciando mais ou menos, de acordo com as suas funções.
Projetistas – é a empresa contratada responsável pela elaboração dos ante-projetos, projetos básicos e executivos da obra. Em alguns casos a empresa projetista elabora e coordena todos os projetos técnicos de arquitetura e complementares (instalações elétricas, instalações hidráulicas, instalações mecânicas, estrutura, etc.). Em outros casos a projetista elabora os projetos de arquitetura e coordena os demais projetos complementares. A sua atuação depende exclusivamente da forma como for definida a contratação das empresas de projetos.
Financiador – é o indivíduo ou instituição que provê financeiramente o projeto em troca de rentabilidade por ele gerado. Os fundos de investimento, os bancos e os fundos de pensões são exemplos de financiadores. É uma das principais partes interessadas em um projeto.
Fornecedores – é toda empresa que fornece algum produto ou serviço em atendimento as solicitações do projeto. Podem ser fornecedores subcontratados da construtora ou contratados direto do cliente. Afetam o projeto sobremaneira, por vezes comprometendo o seu sucesso.
Orgãos públicos – são as partes interessadas que aprovam projetos e emitem alvarás e licenças, portanto da maior importância dentro de uma gestão das partes interessadas. Podemos citar como exemplo de órgãos públicos que afetam os projetos as prefeituras, o ministério do trabalho, a polícia rodoviária federal, o IBAMA, dentre outros,
Agências reguladoras – são as agências que normatizam as atividades em diversas áreas de atuação. Alguns exemplos destas partes interessadas são a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, a ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível, a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, dentre outras. O não atendimento as exigências destas agências no projeto pode comprometer o seu andamento.
Consultores especializados – pelo fato da área de engenharia e construção ser muito ampla e complexa, os projetos necessitam da contratação de consultores especializados em determinados assuntos. Consultores de instalações elétricas, de estruturas metálicas, de acústica são exemplos de consultorias em projetos de engenharia e construção. 
Concessionárias – as concessionárias em projetos de engenharia e construção são uma das partes interessadas que mais afetam o andamento dos projetos. O projeto deve atender a todas as exigências e normas das concessionárias de água, de energia elétrica, de gás, de telefonia, etc.
Sindicatos – seja no Brasil ou no mundo os sindicatos são partes interessadas que atuam direta ou indiretamente em um projeto de engenharia e construção. Portanto devem ter identificados e analisados seus impactos.
Usuário – o usuário é que utilizará o produto do projeto e, portanto, é uma parte interessada que deve gerenciada inclusive durante o ciclo de vida do projeto.
Outras partes interessadas – existe ainda uma série de partes interessadas que devem ser identificadas e por consequência, gerenciadas. Exemplos de outras partes interessadas são a vizinhança, mídia, ONG´s, CREA´s, etc.

3. Objetivos do projeto na visão de cada uma das principais partes interessadas

Para cada projeto deve haver clareza quanto aos seus objetivos, porém cada parte interessada, diante da forma que está inserida no projeto, tem uma visão diferente dos respectivos objetivos e do próprio escopo.

O projeto em si, na sua visão mais ampla, possui um objetivo geral que corresponde ao produto final que se quer atingir. Este objetivo geral estabelece os seus requisitos, custos, prazos e expectativas do projeto.

É importante salientar que cada parte interessada , quando define o objetivo e o escopo do seu projeto, inserido no contexto mais amplo do projeto, tem uma visão própria e limitada em relação ao todo.

A figura 1 ilustra o projeto em uma visão total a qual o objetivo é mais amplo, englobando assim, os objetivos individuais de duas das principais partes interessadas, a construtora e a projetista.


Figura 1: O objetivo do projeto na visão total e nas visões de duas das principais partes interessadas

O projeto deve possuir um escopo e objetivos bem definidos pelo empreendedor (que muitas vezes é o cliente), porém, no caso, por exemplo, da construtora e do projetista, tem visões diferentes, ou melhor, menos abrangentes. É natural que isto ocorra, pois o escopo e os objetivos para a construtora e a projetista são oriundos de uma declaração de trabalho. No caso do cliente a sua visão com relação aos objetivos é a mais ampla, é a do projeto pleno.

Essas diferenças de visões e entendimento dos objetivos e do escopo do projeto ao longo do seu ciclo de vida, acentuadas com uma falta de maturidade destas partes interessadas em gerenciamento de projetos acarretam em problemas nas suas atuações e nas respectivas interfaces dentro do projeto.

4. Maturidade das partes interessadas

Segundo Dinsmore (1999) a maturidade em gerenciamento de projetos de uma empresa é uma medida de sua eficácia em concluir projetos. Neste caso a eficácia em concluir o projeto é traduzida no atendimento aos seus objetivos de prazo, custo, qualidade, satisfação das partes interessadas e do cumprimento dos seus requisitos pré-estabelecidos.

Dinsmore (1999) apresenta cinco níveis de maturidade em termos de performance e tempo. Os níveis são:

Nível 1 - Inicial: não existem processos de gerenciamento de projetos na empresa, havendo apenas ações individuais neste sentido. Os sistemas e procedimentos são mal definidos.
Nível 2 - Repetitivo: neste nível os sistemas e processos de gerenciamento de projetos no que tange ao planejamento, estimativas e acompanhamento funcionam e são percebidos como importantes. O sucesso do projeto ainda não é previsível.
Nível 3 - Definido: existe uma abordagem padronizada de gerenciamento de projetos dentro da empresa. O desempenho do projeto já é previsível, com alto grau de precisão. Um dos pontos mais importantes é que existe um foco no gerenciamento do escopo como parte fundamental do gerenciamento do projeto.
Nível 4 - Gerenciado: o gerenciamento de processos é avaliado e controlado. O desempenho dos projetos tende a estar de acordo com os planos, garantindo assim que a taxa de sucesso dos projetos seja alta.
Nível 5 - Otimizado: os processos de gerenciamento de projetos são aperfeiçoados constantemente. Existe uma forte integração entre os requisitos de prazo, custo e escopo.

Vamos considerar, dentro da escala de níveis citadas anteriormente, como uma parte interessada com uma boa maturidade em gerenciamento de projetos as que se encontram acima do nível 3, ou seja, são organizações que no mínimo tem uma padronização nos processos de gerenciamento de projetos.

Analisando as principais partes interessadas em um projeto de engenharia e construção, podemos destacar quais delas devem ter um nível maior de maturidade, quais em um nível intermediário e quais podem ter qualquer nível, que mesmo assim, não afetam na gestão do projeto. A figura 2 ilustra esta análise.
 
Figura 2: Nível de maturidade das principais partes interessadas

As partes interessadas que podem contribuir no projeto, através de um nível maior de maturidade em gerenciamento de projetos, chamaremos de partes interessadas ativas.
Em um projeto de engenharia e construção as partes interessadas ativas são o cliente, a gerenciadora, a construtora e a projetista, pois as suas gestões atuam diretamente na gestão do projeto.

Existem outras partes interessadas nas quais é desejável, mas não imprescindível, se ter uma maturidade em gerenciamento de projetos, tais como o financiador, alguns fornecedores e consultores técnicos. Com isso elas influenciarão positivamente na gestão do projeto.

As demais partes interessadas, tendo ou não maturidade em gerenciamento de projetos, não afetarão, seja positiva ou negativamente a gestão do projeto propriamente dita.

Destacando duas a duas das principais partes interessadas ativas podemos gerar matrizes que apresentam nos seus quatro quadrantes as possíveis situações em relação ao nível de maturidade de cada parte interessada ativa, conforme apresentado na figura 3.

 
Figura 3: Matriz de maturidade em gerenciamento de projetos entre duas partes interessadas ativas

No exemplo da figura 3 foram destacados duas das partes interessadas ativas, o cliente e a construtora. Nesta situação podemos evidenciar o significado de cada quadrante, conforme abaixo.

Situação ótima – trata-se de uma situação excelente onde cliente e construtora tem o conhecimento em gerenciamento de projetos suficiente para garantir que o projeto seja executado dentro de um plano de projeto previamente estabelecido, o que garantirá os prazos, os custos e a qualidade, atendendo as expectativas de todas as partes interessadas.

Problemas contornáveis – nesta situação o cliente tendo maturidade vai definir o projeto dentro de um plano de projeto, o que por si só permite ter o controle da situação. Em tendo uma construtora com nível baixo de maturidade, o cliente será obrigado a exercer uma gestão efetiva de riscos em relação a ela.

Problemas a vista – neste cenário é certo que os problemas virão à tona. Um cliente com maturidade em nível baixo vai ter problemas já na definição do escopo, na gestão das partes interessadas, não existirá um plano de projeto bem definido a ser seguido. Portanto, mesmo que a construtora contratada tenha maturidade o projeto na visão mais ampla sofrerá os impactos negativos.

Caos – esta situação é o verdadeiro caos. Nenhuma das duas partes interessadas tem o nível de maturidade satisfatório, de modo que o projeto estará sujeito fortemente ao insucesso.

O importante é que essa matriz seja analisada em todas as combinações possíveis, duas a duas entre todas as partes interessadas ativas.

A relação entre as partes interessadas ativas pode variar de um projeto para outro, principalmente quanto a sua organização e também ao regime de contratação da obra.

Com referência a organização do projeto, é importante citar principalmente se o projeto contará com uma gerenciadora contratada pelo cliente, ou se o cliente fornece todos os desenhos, projetos executivos e memoriais descritivos. Esta organização afeta a relação entre as partes interessadas ativas, de modo que, a matriz apresentada anteriormente também sofra variações nos quadrantes.

O regime de contratação também afeta fortemente esta relação, pois, por exemplo, em contratos tipo EPC turnkey2 o papel das partes interessadas ativas é bem diferente em comparação a uma contratação do tipo preço máximo garantido3.

5. Como ter um ambiente propício para a maturidade em gerenciamento de projetos das partes interessadas

Observando de forma isolada, cada parte interessada ativa se beneficia sobre maneira do fato de ter um bom nível de maturidade em gerenciamento de projetos. Tais benefícios aumentam quando as principais partes interessadas têm um nível maior de maturidade. A relação entre as partes interessadas fica mais sólida e o entendimento do escopo do projeto e de seus objetivos passa a ser comum entre todos.

Fica uma pergunta: como propiciar que tal situação ocorra?
Antes, porém, é necessário saber em qual das partes interessadas ativas deflagra este processo e quando ocorre esta ação.

Naturalmente o maior conhecedor do projeto é o dono dele, ou seja, o cliente. Portanto nada mais natural que o cliente inicie este processo. Para tomar a frente do processo o cliente deve possuir um nível de maturidade elevado, o que nem sempre ocorre. Diante disso, a contratação de uma gerenciadora com um nível de maturidade alto deve ser realizada o quanto antes possível, pois ela que será o elemento crucial para propiciar a situação desejada. O mais cedo possível corresponde a atuar nas fases iniciais do ciclo de vida do projeto. Na falta de uma gerenciadora, é importante que no mínimo seja contratada uma consultoria especializada em gerenciamento de projetos, a fim de ser este elemento facilitador.

O papel deste elemento facilitador, seja a gerenciadora ou uma consultoria, é o de identificar dentre as principais partes interessadas ativas, quais empresas do mercado atendam a esta exigência. Com isso garante-se uma uniformidade e um alto nível de maturidade a todas as principais partes interessadas ativas participantes do projeto.

6. Conclusão

Os casos de insucesso nos projetos de engenharia e construção têm sido observados em grande número, sejam projetos grandes, médios ou pequenos e sejam projetos da iniciativa pública ou privada. O certo, porém, é que há a necessidade de se trabalhar fortemente a influência ativa das partes interessadas na gestão do projeto.

A combinação da maturidade em gerenciamento de projetos e o conhecimento comum do projeto por todas as principais partes interessadas, nos permite afirmar que todas estas peças podem atuar harmonicamente num único objetivo, o sucesso do projeto.

7. Referências bibliográficas

CLELAND, David I., Project Management – Strategic Design and Implementation. United States of America: McGraw-Hill, 1999

DINSMORE, Paul Campbell, Transformando Estratégias Empresariais em Resultados Através da Gerência de Projetos. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora Ltda., 1999

KERZNER Harold, Using the Project Management Maturity Model. United States of America: John Wiley & Sons, Inc., 2005

PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, PMBOK – Project Management Body of Knowledge. PA, United States of America: Project Management Institute, 2008

1 Quando se fala em projetos na área de engenharia e construção estamos nos referindo aos desenhos e memoriais (design) necessários para execução das obras.

2 A modalidade de contratação EPC turnkey consiste na execução pelo contratado de toda engenharia, dos suprimentos e contratações e da construção e montagem (C), cabendo a contratada e entrega do empreendimento pronto para a sua utilização. Nesta modalidade a contratante transfere todo o risco do empreendimento a contratada.

3 A modalidade de contratação PMG – preço máximo garantido é utilizado quando não há uma definição clara do escopo do empreendimento e o contratante estipula à construtora um teto de orçamento, chamado preço máximo garantido. A definição deste orçamento limite geralmente é obtida através da engenharia de valor.

Sobre o Autor:
                                           
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Maurício M. Lopes, PMP é formado em Engenharia Civil com MBA em Administração de Projetos. É atualmente diretor da M2L Project Management e instrutor em cursos de gerenciamento de projetos. Foi fundador do PMI-SP, sendo posteriormente diretor por duas gestões

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